REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura.
São Paulo: Ática, 1989.
Apresentação:
"Oferecer a estética da recepção como um novo figurino ou esperar que ela encontre seguidores e adeptos entre nós, seduzidos por suas promessas e já saturados de alguma outra corrente crítica ou filosófica, é não apenas ter uma visão frívola da teoria da literatura ou do intelectual brasileiro; significa também colaborar para a alienação e dependência culturais, de que aquela frivolidade é um dos sintomas". [página 5]
"Refletindo sobre a história, a estética da recepção é igualmente um acontecimento histórico; por isso, nosso ponto de partida é o estabelecimento de suas coordenadas temporais, a que se segue o esclarecimento de seus parentescos intelectuais. As teses de Jauss são expostas a partir do terceiro capítulo e, embora se acompanhem sua sequência e desdobramento através dos ensaios que foram sendo publicados principalmente entre 1967 e 1982, o objetivo não é verificar a evolução de seu pensamento". [página 7]
"Este roteiro decorreu ainda de uma terceira decisão: a de esboçar a análise de um texto ficcional, Helena, de Machado de Assis, segundo a metodologia proposta por Jauss. [...] Jauss insiste em que a hermenêutica literária incorpore a etapa da aplicação. O exame de Helena responde a essa exigência, ao mesmo tempo testando os pressupostos que o fundamentam". [página 7]
Capítulo I - A estética da recepção no horizonte dos anos 60
"Em 1975, Hans Robert Jauss fez uma exposição durante o congresso bienal dos romancistas alemães em que, historiando o aparecimento da estética da recepção, situo o movimento do quadro dos acontecimentos intelectuais da década de 60". [página 8]
"Talvez o traço mais marcante dessa época tenha sido a revelação do "poder jovem", a juventude vindo a constituir uma força política até então desconhecida [...]. Além disso, sua forma de agir provocou efeito imediatos". [página 8]
"A universidade foi umas das instituições mais atingidas, pois a revolta começou dentro de seus muros, entre os estudantes, que se revelaram líderes ativos. [...] Não por coincidência a conferência com que Jauss abriu o ano acadêmico de 1967 ocorreu na Universidade de Constança, principal fruto da reforma educacional na Alemanha durante a segunda metade da década, é conhecida como 'Provocação' e começa pela recusa vigorosa dos métodos de ensino da história da literatura, considerados tradicionais e, por isso, desinteressantes". [página 9]
"A análise de Jauss leva-o a denunciar a fossilização da história da literatura, cuja metodologia estava presa a padrões herdados do idealismo ou do positivismo do século XIX". [página 9]
"Na conferência, o diálogo de Jauss com o estrurturalismo é mais evidente, embora o ataque direcione-se especialmente a seu precursor, o formalismo russo, não porque este seja em princípio contrário à história, mas porque, quando tentou formular a questão, conforme pode ser acompanhado nas pesquisas de I. Tinianov, fê-lo, segundo o palestrante, de maneira equivocada e insatisfatória" [página 10]
"A estética da recepção apresenta-se como uma teoria em que a investigação muda o foco: do texto enquanto estrutura imutável, ele passa para o leitor, o "Terceiro Estado", conforme Jauss o designa" [página 10-11]
"Essa transferência, por sua vez, explica-se historicamente: é contemporânea às revoltas estudantis, ao mesmo tempo representando uma resposta a elas" [página 11]
Jauss e Gadamer
"Em 1961, Hans Georg Gadamer, ex-professor de Jauss na Universidade de Heidelberg, publica sua obra até hoje mais renomada: Verdade e método [Wahrheit und Methode], em que procura infundir nova direção à hermenêutica, ao atribuir-lhe o papel de intérprete da história". [página 11]
"Jauss com seu programa de reabilitar metodologicamente os estudos da literatura, transformando-a no fundamento para a formulação de uma teoria da literatura equidistante do estruturalismo e do marxismo, encontra em Gadamer um de seus principais guias e modelos. Como o mestre, recupera a história como base do conhecimento do texto; e, igual ao outro, pesquisa seu caminho por uma via que permite trazer de volta o intérprete ou o leitor, sua defesa predileta na luta intelectual contra as correntes teóricas indesejadas". [página 12]
"[...] em Jauss, está presente a recusa de todo dogmatismo: sua modelagem teórica permanece sob constante vigilância às novas tendências ou às correções que se fizerem necessárias". [página 12]
"[...] a noção de que os sistemas não explicam tudo, portanto, de que o novo pode emergir de lugares inesperados, exigindo que se esteja não só atento para a novidade, mas que se tenham os sentidos em forma para perceber, compreender e interpretar da melhor maneira possível sua ocorrência. Talvez o mérito principal da estética da recepção resida em que traz embutida essa concepção, procurando extrair dela uma metodologia para conhecer a literatura. Nessa medida, parece ter muito para ensinar ao leitor, encarado como o principal elo do processo literário". [página 12]
Capítulo II - Paralelas que se encontram em algum lugar da teoria
"[...] a estética da recepção se coloca em certo lugar da teoria da literatura, desde o qual contempla seus precursores, as influências recebidas, as linhas que simultânea mas diversamente pesquisam objeto similar, seus adversários intelectuais". [página 13]
"O elemento comum partilhado por essas linhas é o princípio sintetizado por Hannelore Link: 'A literatura é um caso especial de comunicação'. ¹ Ele parece vago demais, porém é suficiente para excluir três das quatro correntes da moderna teoria da literatura que Peter Uwe Hohendahl opões à estética da recepção: 1. A teoria crítica - Associada principalmente às pesquisas de Theodor W. Adorno nas áreas da estética e filosofia, a teoria crítica recusa-se a analisar o impacto da obra, considerada objeto independenteNew Cristicism - Em grande evidência nos Estados Unidos e Inglaterra durante as décadas de 30 e 40, com projeções na crítica atual, o New Cristicism postula que a obra de arte literária é autônoma, cabendo considerar, quando da análise e interpretação, unicamente seus elementos internos. [...] 3. A fenomenologia - Roman Ingarden, em A obra de arte literária, faz questão de acentuar que o leitor, bem como o autor, são instâncias exteriores que não interferem na natureza do texto; logo, não devem ser objetos da descrição a que se proprõe nesse livro. Contudo, é importante observar que R. Ingarden utiliza o conceito de concretização, referindo-se à atividade do leitor, responsável pelo preenchimento dos pontos de indeterminação próprios ao estrato dos objetos apresentados. Desta maneira, se a fenomenologia associada às pesquisas é avessa à uma teoria da literatura que considere o leitor um fator básico do processo artístico, seus desdobramentos vieram a se opor à origem, ainda que não contradigam as idéias principais". [1: LINK, Hannelore. Rezeptionsforschung. Eine Einführung in Methode und Probleme. Stuttgart, Kohlhammer, 1980, p. 15.] [página 14-15]
"Hohendahl cita ainda o historicismo enquanto proposta que diverge da estética da recepção, embora a esse não se possa aplicar o princípio formulado por H. Link". [página 15]
"S. Suleiman, elencando as tendências da crítica que lidam com o recebedor enquanto peça importante da teoria, alude: à retórica, à semiologia e ao estruturalismo, na medida em que se preocupam com o processo de decodificação do texto pelo destinatário; à psicanálise e à hermenêutica, por lidarem com a questão da interpretação; e à semiologia da literatura que, mesmo num autor à primeira vista alheio ao tópico, como Lucien Goldmann, analisa a interação da obra com o público". [página 15]
"Tomando, pois, como critérios diretores a noção geral de literatura como forma de comunicação e os conceitos especiais de leitor enquanto entidade coletiva a quem o texto se dirige, leitura como ato resultante dessa troca e experiência estética com som seu efeito no destinatário, três grandes campos intelectuais se apresentam, que, ao lado das teses dos professores da Universidade de Constança, compõem o ramo da teoria da literatura centralmente preocupado com as questões relativas à recepção". [página 16]
A sociologia da leitura
"A sociologia da leitura aparece inicialmente como um sgmento da sociologia do saber, quando L. L. Schücking publica, em 1923, o livro Die Soziologie der literarischen Geschmacksbildung." [página 16]
"Seu objetivo é estudar o público enquanto fato ativo do processo literário, já que as mudanças de gosto e preferências interferem não apenas na circulação, e portanto na fama, dos textos, mas também em sua produção". [página 17]
"Nas suas palavras, 'não há isto de um espírito de época, e sim, pode-se dizer, uma série de espíritos de época. Sempre será preciso distinguir grupos inteiramente diferentes, com ideais inversos de vida e sociedade. Com qual desses grupos se relaciona mais estreitamente a arte predominante depende de várias circunstâncias, e é necessário viver nas nuvens para atribuí-lo a fatores puramente ideais"³. [3: SCHUKING, L. L. The sociology or literary taste. Chicago, The University of Chicago press, 1966. p. 8.] [página 17]
"Sem dúvida a perspectiva de Schuking é redutora, conforme aponta Hohendahl, ao fazer a história da literatura desaguar na história das mudanças de gosto. Todavia, seu estudo inaugurou um campo de investigação em que o público era pensado como elemento ativo; e, criticando o reducionismo idealista, cooperou para a formulação de uma história da literatura fundada na concretude dos fatos sociais". [página 17-18]
O estruturalismo tcheco
"[...] o Círculo Linguístico de Praga trabalhou no início à sombra do formalismo russo, de quem herdou idéias e colaboradores, como Roman Jakobson, Sergei Karcevsky e Piotr Bogatyrev"[5]. [5: Cf. STEINER, Peter. The roots of structuralist aesthetics. In:_______, ed. The Prague School; select writings, 1929-1946. Austin, University of Texas press, 1882.] [página 19]
"[...] o formalismo elaborou alguns conceitos que descrevem o fato literário na sua relação com o leitor. E o que ocorre à noção de estranhamento, concebida como o efeito necessariamente provocado pela arte, quando esta possui qualidade". [página 19]
"Neste sentido, o formalismo representa uma mudança importante na concepção vigente de valor estético. [...] a arte precisa manter-se em permanente renovação para alcançar o desejado efeito de estranhamento". [página 20]
"Quando o Círculo Linguístico de Praga começa a desenvolver suas pesquisas, ele assume algumas convicções do formalismo, como a oposição entre a linguagem estandartizada da comunicação pragmática e a linguagem poética caracterizada pelos artifícios visando ao estranhamento do destinatário". [página 21]
"É o recebedor que transforma a obra, até então mero artefato, em objeto estético, ao decodificar os significados transmitidos por ela. Em outras palavras, a obra de arte é um signo, porque a significação é um aspecto fundamental de sua natureza, mas ela só se caracteriza quando percebida por uma consciência, a do sujeito estético". [página 21]
"O estruturalismo tcheco, rico em sugestões a respeito da concepção do recebedor como personagem indispensável do processo de constituição do objeto estético e foco a partir do qual cabe revisar a história da literatura, quase se converteu por sua própria conta numa estética da recepção. Como tal, exerce evidente influência sobre os primeiros textos de Jauss voltados ao tópico. Além disto, soube refletir sobre a questão do recebedor desde a perspectiva estética, e não unicamente empírica, elaborando uma teoria sobre o valor e a história. Seu impacto sobre a ciência literária ocidental a partir dos anos 60, quando se traduziram suas teses para o inglês, Francês e alemão, não foi negligenciável, razão por que vários dos conceitos aqui expostos reaparecem nas páginas subsequentes". [página 24]
O Reader-Response Criticism
"Ao contrário das linhas antes descritas cujo aparecimento deu-se na década de 20, precedendo e/ou influenciando a estética da recepção, o Reader-Response Criticism é coetânio dessa e compartilha com ela algumas de suas teses e integrantes, como Wolfgang Iser". [página 24]
"Se a recusa do New Criticism constitui um dos denominadores comuns, para tanto procurando examinar a obra na medida da resposta do leitor, outro é a influência do estruturalismo, que leva Gerald Prince e Michael Riffaterre a tentarem estabelecer, cada um por seu turno, uma tipologia do leitor. [...] Nem Prince, nem Riffaterre, que elabora uma criatura puramente teórica classificada de arquileitor, pensam o leitor real ou o público consumidor da literatura, de maneira que suas investigações dão-se ainda no âmbito exclusivo do texto". [página 25]
"É quando o Reader-Response Criticism mergulha nas águas do pós-estruturalismo, como acontece nos ensaios de J. Culler, que se desloca do domínio descritivo, relacionando os leitores implicados no tecido textual, para o interpretativo". [página 25]
"[...] o Reader-Response Criticism não representa uma ruptura com o New Criticism". [página 26]
"Tanto Louise Rosenblatt, como Stanley Fish resgatam a figura do leitor; este não é uma construção do texto ou um produto seu". [página 27]
"[...] é nos ensaios de Fish e Rosenblatt que o leitor aparece como entidade real, de carne e osso, cujas experiências são objetos de consideração e dados fundamentais para o conhecimento da natureza do texto. Neles encontra-se também a ruptura com a noção de auto-suficiência da obra literária, resíduo idealista de que o Reader-Response Criticism não se libertou. Apesar dos limites, com aqueles estudiosos uma crítica voltada ao leitor deixa de ser aspiração e parece converter-se em realidade". [página 28]
Capítulo 3 - Projetando a nova história da literatura
"A entrada da estética da recepção no palco da teoria da literatura é assinada pela conferência ministrada por Jauss na Universidade de Constança, em 13 de abril de 1967 [...]. [...] o Autor parece ter a intenção de polemizar com as concepções vigentes de história da literatura. Investe contra seu ensino e propõe outros caminhos, assumindo uma atitude radical que confere ao texto a marca da ruptura e baliza o começo de uma nova era". [página 29]
"[...] a conferência de 67 tem caráter inaugural; por outro lado, trata-se de uma síntese: da trajetória intelectual do autor que vinha se dedicando ao estudo da literatura medieval desde a perspectiva da relação dessa tanto com sua época de aparecimento, quanto com a posição histórica de intérprete¹". [1: Nos ensaios sobre literatura medieval, Jauss faz questão de indicar os pontos de contato entre o trabalho com essa produção e os objetivos da estética da recepção. Cf. JAUSS, hans Robert. Littérature médiévale et expérience esthétique. Actualité des Questins de littérature de Robert Guiette. Poétique, 31 : 322-36, set. 1977; e: Idem. the alterity and modernity of medieval literature. New Literary History, 10 (2) : 181-229, Inverno de 1979.] [página 39-30]
Os métodos da história da literatura
"Após a introdução provocativa, o conferencista indica que vigoram dois modelos de historia da literatura: o primeiro, mais atual, 'ordena seu material segundo tendências gerais, gêneros e o 'resto', para, em seguida, tratar as obras individuais dento dessas rubricas em sucessão cronológica'.² O outro, que segue o padrão da Antiguidade, encarnado pelas Vidas paralelas, de Plutarco, 'ordena o material de modo linear segundo o paradigma de grandes autores e valoriza-os conforme o esquema de 'vida e obra'' (p. 146). Em ambos, o problema é similar: não se trata de história, e sim de uma moldura para uma história, em que a historicidade da literatura desaparece. Além disto, falta a perspectiva estética, de que o historiado se abstém, abrigando-se sob o teto do 'cânone seguro das 'obras-primas'' (p. 147)³". [2 : JAUSS, Hans Robert. Literaturgeschichte als Provokation der literaturwissenschaft. In: ______. Literaturgeschichte als Provokation. 4. ed Frankfurt, Suhrkamp, 1974. p. 146. Como serão retiradas várias citações deste ensaio, doravente indicaremos, entre parênteses, apenas o número da página onde eles se encontram.] [3 : Cf. a respeito da crítica à historiografia da literatura e em geral, também: JAUSS, Hans Robert. Geschichte der Kunst und Historie. In: ______. Literaturgeschichte..., cit., p. 208-51] [página 30-31]
"Resultou disso o impasse entre a história e a estética, que que a presença de uma implicava a ausência de outra". [página 31]
"Talvez o traço mais marcante dessa época tenha sido a revelação do "poder jovem", a juventude vindo a constituir uma força política até então desconhecida [...]. Além disso, sua forma de agir provocou efeito imediatos". [página 8]
"A universidade foi umas das instituições mais atingidas, pois a revolta começou dentro de seus muros, entre os estudantes, que se revelaram líderes ativos. [...] Não por coincidência a conferência com que Jauss abriu o ano acadêmico de 1967 ocorreu na Universidade de Constança, principal fruto da reforma educacional na Alemanha durante a segunda metade da década, é conhecida como 'Provocação' e começa pela recusa vigorosa dos métodos de ensino da história da literatura, considerados tradicionais e, por isso, desinteressantes". [página 9]
"A análise de Jauss leva-o a denunciar a fossilização da história da literatura, cuja metodologia estava presa a padrões herdados do idealismo ou do positivismo do século XIX". [página 9]
"Na conferência, o diálogo de Jauss com o estrurturalismo é mais evidente, embora o ataque direcione-se especialmente a seu precursor, o formalismo russo, não porque este seja em princípio contrário à história, mas porque, quando tentou formular a questão, conforme pode ser acompanhado nas pesquisas de I. Tinianov, fê-lo, segundo o palestrante, de maneira equivocada e insatisfatória" [página 10]
"A estética da recepção apresenta-se como uma teoria em que a investigação muda o foco: do texto enquanto estrutura imutável, ele passa para o leitor, o "Terceiro Estado", conforme Jauss o designa" [página 10-11]
"Essa transferência, por sua vez, explica-se historicamente: é contemporânea às revoltas estudantis, ao mesmo tempo representando uma resposta a elas" [página 11]
Jauss e Gadamer
"Em 1961, Hans Georg Gadamer, ex-professor de Jauss na Universidade de Heidelberg, publica sua obra até hoje mais renomada: Verdade e método [Wahrheit und Methode], em que procura infundir nova direção à hermenêutica, ao atribuir-lhe o papel de intérprete da história". [página 11]
"Jauss com seu programa de reabilitar metodologicamente os estudos da literatura, transformando-a no fundamento para a formulação de uma teoria da literatura equidistante do estruturalismo e do marxismo, encontra em Gadamer um de seus principais guias e modelos. Como o mestre, recupera a história como base do conhecimento do texto; e, igual ao outro, pesquisa seu caminho por uma via que permite trazer de volta o intérprete ou o leitor, sua defesa predileta na luta intelectual contra as correntes teóricas indesejadas". [página 12]
"[...] em Jauss, está presente a recusa de todo dogmatismo: sua modelagem teórica permanece sob constante vigilância às novas tendências ou às correções que se fizerem necessárias". [página 12]
"[...] a noção de que os sistemas não explicam tudo, portanto, de que o novo pode emergir de lugares inesperados, exigindo que se esteja não só atento para a novidade, mas que se tenham os sentidos em forma para perceber, compreender e interpretar da melhor maneira possível sua ocorrência. Talvez o mérito principal da estética da recepção resida em que traz embutida essa concepção, procurando extrair dela uma metodologia para conhecer a literatura. Nessa medida, parece ter muito para ensinar ao leitor, encarado como o principal elo do processo literário". [página 12]
Capítulo II - Paralelas que se encontram em algum lugar da teoria
"[...] a estética da recepção se coloca em certo lugar da teoria da literatura, desde o qual contempla seus precursores, as influências recebidas, as linhas que simultânea mas diversamente pesquisam objeto similar, seus adversários intelectuais". [página 13]
"O elemento comum partilhado por essas linhas é o princípio sintetizado por Hannelore Link: 'A literatura é um caso especial de comunicação'. ¹ Ele parece vago demais, porém é suficiente para excluir três das quatro correntes da moderna teoria da literatura que Peter Uwe Hohendahl opões à estética da recepção: 1. A teoria crítica - Associada principalmente às pesquisas de Theodor W. Adorno nas áreas da estética e filosofia, a teoria crítica recusa-se a analisar o impacto da obra, considerada objeto independenteNew Cristicism - Em grande evidência nos Estados Unidos e Inglaterra durante as décadas de 30 e 40, com projeções na crítica atual, o New Cristicism postula que a obra de arte literária é autônoma, cabendo considerar, quando da análise e interpretação, unicamente seus elementos internos. [...] 3. A fenomenologia - Roman Ingarden, em A obra de arte literária, faz questão de acentuar que o leitor, bem como o autor, são instâncias exteriores que não interferem na natureza do texto; logo, não devem ser objetos da descrição a que se proprõe nesse livro. Contudo, é importante observar que R. Ingarden utiliza o conceito de concretização, referindo-se à atividade do leitor, responsável pelo preenchimento dos pontos de indeterminação próprios ao estrato dos objetos apresentados. Desta maneira, se a fenomenologia associada às pesquisas é avessa à uma teoria da literatura que considere o leitor um fator básico do processo artístico, seus desdobramentos vieram a se opor à origem, ainda que não contradigam as idéias principais". [1: LINK, Hannelore. Rezeptionsforschung. Eine Einführung in Methode und Probleme. Stuttgart, Kohlhammer, 1980, p. 15.] [página 14-15]
"Hohendahl cita ainda o historicismo enquanto proposta que diverge da estética da recepção, embora a esse não se possa aplicar o princípio formulado por H. Link". [página 15]
"S. Suleiman, elencando as tendências da crítica que lidam com o recebedor enquanto peça importante da teoria, alude: à retórica, à semiologia e ao estruturalismo, na medida em que se preocupam com o processo de decodificação do texto pelo destinatário; à psicanálise e à hermenêutica, por lidarem com a questão da interpretação; e à semiologia da literatura que, mesmo num autor à primeira vista alheio ao tópico, como Lucien Goldmann, analisa a interação da obra com o público". [página 15]
"Tomando, pois, como critérios diretores a noção geral de literatura como forma de comunicação e os conceitos especiais de leitor enquanto entidade coletiva a quem o texto se dirige, leitura como ato resultante dessa troca e experiência estética com som seu efeito no destinatário, três grandes campos intelectuais se apresentam, que, ao lado das teses dos professores da Universidade de Constança, compõem o ramo da teoria da literatura centralmente preocupado com as questões relativas à recepção". [página 16]
A sociologia da leitura
"A sociologia da leitura aparece inicialmente como um sgmento da sociologia do saber, quando L. L. Schücking publica, em 1923, o livro Die Soziologie der literarischen Geschmacksbildung." [página 16]
"Seu objetivo é estudar o público enquanto fato ativo do processo literário, já que as mudanças de gosto e preferências interferem não apenas na circulação, e portanto na fama, dos textos, mas também em sua produção". [página 17]
"Nas suas palavras, 'não há isto de um espírito de época, e sim, pode-se dizer, uma série de espíritos de época. Sempre será preciso distinguir grupos inteiramente diferentes, com ideais inversos de vida e sociedade. Com qual desses grupos se relaciona mais estreitamente a arte predominante depende de várias circunstâncias, e é necessário viver nas nuvens para atribuí-lo a fatores puramente ideais"³. [3: SCHUKING, L. L. The sociology or literary taste. Chicago, The University of Chicago press, 1966. p. 8.] [página 17]
"Sem dúvida a perspectiva de Schuking é redutora, conforme aponta Hohendahl, ao fazer a história da literatura desaguar na história das mudanças de gosto. Todavia, seu estudo inaugurou um campo de investigação em que o público era pensado como elemento ativo; e, criticando o reducionismo idealista, cooperou para a formulação de uma história da literatura fundada na concretude dos fatos sociais". [página 17-18]
O estruturalismo tcheco
"[...] o Círculo Linguístico de Praga trabalhou no início à sombra do formalismo russo, de quem herdou idéias e colaboradores, como Roman Jakobson, Sergei Karcevsky e Piotr Bogatyrev"[5]. [5: Cf. STEINER, Peter. The roots of structuralist aesthetics. In:_______, ed. The Prague School; select writings, 1929-1946. Austin, University of Texas press, 1882.] [página 19]
"[...] o formalismo elaborou alguns conceitos que descrevem o fato literário na sua relação com o leitor. E o que ocorre à noção de estranhamento, concebida como o efeito necessariamente provocado pela arte, quando esta possui qualidade". [página 19]
"Neste sentido, o formalismo representa uma mudança importante na concepção vigente de valor estético. [...] a arte precisa manter-se em permanente renovação para alcançar o desejado efeito de estranhamento". [página 20]
"Quando o Círculo Linguístico de Praga começa a desenvolver suas pesquisas, ele assume algumas convicções do formalismo, como a oposição entre a linguagem estandartizada da comunicação pragmática e a linguagem poética caracterizada pelos artifícios visando ao estranhamento do destinatário". [página 21]
"É o recebedor que transforma a obra, até então mero artefato, em objeto estético, ao decodificar os significados transmitidos por ela. Em outras palavras, a obra de arte é um signo, porque a significação é um aspecto fundamental de sua natureza, mas ela só se caracteriza quando percebida por uma consciência, a do sujeito estético". [página 21]
"O estruturalismo tcheco, rico em sugestões a respeito da concepção do recebedor como personagem indispensável do processo de constituição do objeto estético e foco a partir do qual cabe revisar a história da literatura, quase se converteu por sua própria conta numa estética da recepção. Como tal, exerce evidente influência sobre os primeiros textos de Jauss voltados ao tópico. Além disto, soube refletir sobre a questão do recebedor desde a perspectiva estética, e não unicamente empírica, elaborando uma teoria sobre o valor e a história. Seu impacto sobre a ciência literária ocidental a partir dos anos 60, quando se traduziram suas teses para o inglês, Francês e alemão, não foi negligenciável, razão por que vários dos conceitos aqui expostos reaparecem nas páginas subsequentes". [página 24]
O Reader-Response Criticism
"Ao contrário das linhas antes descritas cujo aparecimento deu-se na década de 20, precedendo e/ou influenciando a estética da recepção, o Reader-Response Criticism é coetânio dessa e compartilha com ela algumas de suas teses e integrantes, como Wolfgang Iser". [página 24]
"Se a recusa do New Criticism constitui um dos denominadores comuns, para tanto procurando examinar a obra na medida da resposta do leitor, outro é a influência do estruturalismo, que leva Gerald Prince e Michael Riffaterre a tentarem estabelecer, cada um por seu turno, uma tipologia do leitor. [...] Nem Prince, nem Riffaterre, que elabora uma criatura puramente teórica classificada de arquileitor, pensam o leitor real ou o público consumidor da literatura, de maneira que suas investigações dão-se ainda no âmbito exclusivo do texto". [página 25]
"É quando o Reader-Response Criticism mergulha nas águas do pós-estruturalismo, como acontece nos ensaios de J. Culler, que se desloca do domínio descritivo, relacionando os leitores implicados no tecido textual, para o interpretativo". [página 25]
"[...] o Reader-Response Criticism não representa uma ruptura com o New Criticism". [página 26]
"Tanto Louise Rosenblatt, como Stanley Fish resgatam a figura do leitor; este não é uma construção do texto ou um produto seu". [página 27]
"[...] é nos ensaios de Fish e Rosenblatt que o leitor aparece como entidade real, de carne e osso, cujas experiências são objetos de consideração e dados fundamentais para o conhecimento da natureza do texto. Neles encontra-se também a ruptura com a noção de auto-suficiência da obra literária, resíduo idealista de que o Reader-Response Criticism não se libertou. Apesar dos limites, com aqueles estudiosos uma crítica voltada ao leitor deixa de ser aspiração e parece converter-se em realidade". [página 28]
Capítulo 3 - Projetando a nova história da literatura
"A entrada da estética da recepção no palco da teoria da literatura é assinada pela conferência ministrada por Jauss na Universidade de Constança, em 13 de abril de 1967 [...]. [...] o Autor parece ter a intenção de polemizar com as concepções vigentes de história da literatura. Investe contra seu ensino e propõe outros caminhos, assumindo uma atitude radical que confere ao texto a marca da ruptura e baliza o começo de uma nova era". [página 29]
"[...] a conferência de 67 tem caráter inaugural; por outro lado, trata-se de uma síntese: da trajetória intelectual do autor que vinha se dedicando ao estudo da literatura medieval desde a perspectiva da relação dessa tanto com sua época de aparecimento, quanto com a posição histórica de intérprete¹". [1: Nos ensaios sobre literatura medieval, Jauss faz questão de indicar os pontos de contato entre o trabalho com essa produção e os objetivos da estética da recepção. Cf. JAUSS, hans Robert. Littérature médiévale et expérience esthétique. Actualité des Questins de littérature de Robert Guiette. Poétique, 31 : 322-36, set. 1977; e: Idem. the alterity and modernity of medieval literature. New Literary History, 10 (2) : 181-229, Inverno de 1979.] [página 39-30]
Os métodos da história da literatura
"Após a introdução provocativa, o conferencista indica que vigoram dois modelos de historia da literatura: o primeiro, mais atual, 'ordena seu material segundo tendências gerais, gêneros e o 'resto', para, em seguida, tratar as obras individuais dento dessas rubricas em sucessão cronológica'.² O outro, que segue o padrão da Antiguidade, encarnado pelas Vidas paralelas, de Plutarco, 'ordena o material de modo linear segundo o paradigma de grandes autores e valoriza-os conforme o esquema de 'vida e obra'' (p. 146). Em ambos, o problema é similar: não se trata de história, e sim de uma moldura para uma história, em que a historicidade da literatura desaparece. Além disto, falta a perspectiva estética, de que o historiado se abstém, abrigando-se sob o teto do 'cânone seguro das 'obras-primas'' (p. 147)³". [2 : JAUSS, Hans Robert. Literaturgeschichte als Provokation der literaturwissenschaft. In: ______. Literaturgeschichte als Provokation. 4. ed Frankfurt, Suhrkamp, 1974. p. 146. Como serão retiradas várias citações deste ensaio, doravente indicaremos, entre parênteses, apenas o número da página onde eles se encontram.] [3 : Cf. a respeito da crítica à historiografia da literatura e em geral, também: JAUSS, Hans Robert. Geschichte der Kunst und Historie. In: ______. Literaturgeschichte..., cit., p. 208-51] [página 30-31]
"Resultou disso o impasse entre a história e a estética, que que a presença de uma implicava a ausência de outra". [página 31]
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