2.9.11

A Natureza do Fenômeno Literário [Fichamento]

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

DANZIGER, Marlies K.; JOHNSON, W. Stacy. 
Introdução ao estudo crítico da literatura. São Paulo: Cultrix, 1961




Capítulo 1
DEFINIÇÃO DE LITERATURA

“O que é literatura e qual é a melhor maneira de defini-la? [...] Para os nossos propósitos, será preferível começar por defini-la de um modo tão amplo e neutro quanto possível, simplesmente como uma arte verbal”. [página 9]

A Natureza Verbal da Literatura

E a tradição oral, como a Ilíada e a Odisséia ou as sagas islandesas com o Beowulf? 

“Para que possa abranger essas e outras obras verbais, é útil considerar a literatura uma arte verbal, lato sensu, deixando em aberto a questão sobre se as palavras são escritas ou faladas”. [página 9-10]

O problema da palavra:

“... a língua é um meio de comunicação e expressão muito complexo, a mesma palavra pode ter vários significados distintos. [...] deparamo-nos sempre com a questão de apurar o que é, exatamente, que as palavras num poema ou num conto significam, na realidade. Para começar, a língua está sujeita a transformações históricas”. [página 11]

Para se compreender estas transformações que a língua sofre no decorrer dos anos, é necessário um estudo diacrônico da mesma.

“Evidentemente, as conotações vocabulares mudam, assim como a gíria de ontem se converte no uso consagrado de hoje e a elegância de há um século soa aos ouvidos modernos como falso e vulgar preciosismo. [...]. No entanto, devemos evitar a atribuição de conotações modernas ou de significados modernos mas limitados demais a todas as palavras que lemos. À tão debatida questão sobre como poderemos saber, de um modo preciso, o que as palavras realmente significam, duas respostas contrastantes são dadas como freqüência. Uma, é que somente o autor o sabe; a outra, que cada leitor deve decidir para si mesmo, que significado lhes atribui”. [página 12]

“Nestas circunstâncias, parece preferível descartar essas duas soluções teóricas e adotar uma posição francamente pragmática. Podemos reconhecer a dificuldade em determinar o significado preciso das palavras mas, não obstante, visar uma interpretação que seja algo mais que do que individual ou aleatória. Em primeiro lugar, podemos nos esforçar por descobrir o significado que uma palavra poderá ter tido na época em que foi usada pelo escritor, se diferir do seu significado atual. [...]. Em segundo lugar, podemos destrinçar entre diferentes significados que a mesma palavra pode ter em diferentes contextos.” [página 13]

Ou seja, realizar um estudo diacrônico da língua.

O Problema do Texto

            “Não podemos, simplesmente, considerar axiomático, sobretudo o caso de obras mais antigas que o texto tenha passado sem contratempos e grandes mudanças do autor ao impressor e deste ao leitor”. [página 14]

            Axiomático: axioma: 1. Verdade evidente por si mesma. 2. Máxima, sentença.

            “Mesmo quando o autor participou da publicação de sua obra podem surgir, apesar de tudo, problemas textuais. Um exemplo óbvio é a questão da revisão”. [página 14]

            E um pouco mais adiante ainda sobre a tarefa do revisor:

            “Ela inclui a eliminação de quaisquer incoerências óbvias de ortografia, de uso de maiúsculas e da pontuação, a chamada nomalização do texto e, com freqüência, entende-se à modernização desses processos. Finalmente, se encontrou passagens obscuras ou confusas, o revisor pode introduzir as suas próprias correções ou emendas – as suas conjecturas sobre o modo como o trecho se lia no original ou sobre a verdadeira intenção do autor”. [página 17]

            O problema da censura:

“Um grande número de obras sérias e admiradas, hoje em dia, foram vítimas, em outros tempos, de censura, porque expressavam opiniões políticas e religiosas que não gozavam de popularidade ou porque se acreditava serem suscetíveis de abalar os costumes e a moralidade pública”. [página 16]

A proposta dos autores para este problema é a de que:

“Como leitores críticos, devemos estar cônscios do fato de que os textos impressos não são infalíveis. Nem todos são igualmente autênticos e preparados idêntico esmero intelectual. Por outro lado, parece não haver regras simples e precisas que possam ser aplicadas à fixação definitiva de todo e qualquer texto. Cada um pode apresentar problemas especiais e cada um só pode ser tomado em seus próprios termos”. [página 18]

Literatura Como Arte 

            “Em que sentido específico a literatura é uma arte?” [página 18]

            O autor nos diz que há três explicações tradicionais para esta pergunta e que todas elas, de alguma forma, relacionam a literatura com algo que lhe é extrínseco:

1) A Teoria da Imitação

            “Talvez a maneira mais antiga e venerável de se descrever a literatura como arte seja considerá-la uma forma de imitação”. [página 18]

            “Historicamente, o conceito de arte como imitação remonta a Platão e Aristóteles”. [página 19]

A versão de Platão:

“Platão apresentou esse conceito na República, quando descreveu a literatura e a pintura em termos depreciativos, como imitações duplamente afastadas da realidade. Como a arte era, para ele, uma forma ideal, essência ou absoluto – a Entidade Única por detrás de muitos, a luz cujas sombras só são visíveis à humanidade na caverna – tudo que há neste mundo e, em particular, qualquer coisa feita pelo homem, ainda que seja uma simples cadeira ou uma cama, parecia ser tão-somente uma cópia já afastada um passo da realidade. E as artes, que Platão considerava cópias dos objetos feitos pelo homem, nada mais eram que cópias de uma cópia”. [página 19]

A versão de Aristóteles:

“Com Aristóteles, entretanto, caiu o sentido negativo de imitação. Ao invés de Platão, ele não considerava este mundo uma simples sombra de um outro. E, em qualquer caso, acreditava que o instinto da imitação era importante, implantado no homem desde a infância e que o distinguia dos animais irracionais. Quando Aristóteles, no começo de sua Poética, qualificou como “modos de imitação” (mimesis) a poesia épica, a tragédia, a comédia, a poesia ditirâmbica (a que chamaríamos lírica) e até a flauta e lira, ele quis apenas dizer que se tratava de cópias ou, para usar termos mais positivos, de representações ou recriações da vida. Esta foi a acepção mais positiva adotada em era subseqüentes”. [página 19]

Avaliação desta concepção de literatura como imitação:

“Se tentarmos avaliar esta interpretação da literatura, teremos de reconhecer que ela toca em, pelo menos, dois importantes pontos”. [página 20]

1º ponto importante:

“Considerada em seu valor aparente, sugere que a literatura imita ou reflete a vida; por outras palavras, a temática da literatura consiste nas múltiplas experiências dos seres humanos, em suas vivências”. [página 20]

Problemas conceituais deste primeiro ponto:

“... surge uma séria dificuldade porque o próprio termo vida é tão ambíguo que se presta a numerosas interpretações muito diferentes. [...]. Uma dessas maneiras é concebê-la como o total de experiências variadas e particulares que formam a existência cotidiana do homem [...]. A outra maneira é considerá-la no sentido muito mais amplo da vida humana e em seus aspectos gerais e permanentes ...”. [página 20]

2º ponto importante:

“O segundo e importante ponto sugerido pela teoria da imitação é que a vida está sendo imitada no sentido de ser reinterpretada e recriada. Neste caso, a ênfase principal parece recair sobre o modo como a vida é imitada”. [página 20]

E conseqüentemente, a forma como a vida é imitada depende da concepção que se tem da mesma:

“Quando esta é entendida como o total de experiências particulares da existência cotidiana, da vida tal como usualmente ela é, é bem possível que a imitação resulte numa reprodução muito fiel, quase fotográfica, captando o maior número possível de detalhes e minúcias”. [página 21]

“Quando, por outro lado, se concebe a vida como um conjunto de aspectos gerais e permanentes da existência – não como ela é, usualmente, mas como deveria ser – dois outros tipos de imitação podem resultar. Teremos então uma representação consciente do que é típico ...”. [página 21]

E ainda uma terceira forma:

“Teremos ainda a recriação superlativa idealizada da vida, na qual figuras de inusitada nobreza e elevação passam por experiências algo extraordinárias, como ocorre no teatro clássico e, em particular, na tragédia grega”. [página 21]

Por fim, os autores nos dizem o porquê deste conceito não satisfazê-los, ou melhor, o problema desta conceituação:

“Mas como o conceito de imitação pode ser interpretado de formas tão diversas e contratantes, devemos admitir que deva ser demasiado vago, para os nosso propósitos, como descrição da literatura. De qualquer modo, o próprio termo imitação não é de todo desejável, visto que o leitor moderno poderá atribuir-lhe algo do sentido negativo que tinha para Platão ...”. [página 21]

2) A Teoria do Efeito

            “A segunda maneira tradicional de definir literatura coloca-a em relação com seu público. [...] as teorias deste tipo são chamadas, por vezes, pragmáticas [...], por vezes, teorias afetivas ...”. [página 22]

            “O interesse pela experiência psicológica do público também tem suas origens remotas na antiguidade clássica. Aristóteles revelou-o, sem dúvida, quando descreveu, ainda que de modo ambíguo, o estado de catarse, a purgação do medo e da compaixão que, acreditava ele, os espectadores sofrem no decurso da representação de uma tragédia. Professores de retórica ou de oratória, notadamente Quintiliano, manifestaram um interesse semelhante, ao salientar que o objeto principal da literatura é comover o público, despertar uma forte reação emocional e, assim, proporcionar prazer”. [página 22]

          Os autores nos colocam a frete de algumas dicotomias acerca da experiência resultante do efeito do fenômeno literário e, por conseguinte, da função que esta exerce:

Experiência psicológica X Experiência moral

Ensinar o que é útil X Deleitar com o que é belo

E mais uma:

Leitor envolvido com os dramas X Leitor com “distância psíquica”

Que se estabelece de acordo com o seguinte pensamento:

“Ninguém negaria, claro, que a literatura exerce, de fato, um marcado efeito sobre seus leitores. Mas as teorias pragmáticas e afetivas, tanto quanto as teórias miméticas que consideramos antes, são passíveis de várias objeções. Para começar, é muito difícil dizer-se, com precisão, o que é que o leitor realmente sente”. [página 23]

E ainda:

“Pessoas diferentes podem ter relações psicológicas muito distintas à mesma obra; ou seja, um leitor ingênuo talvez acabe por se envolver completamente com as personagens de uma história, ao passo que um leitor mais requintado poder-se-á manter desligado. Ou, por outro lado, diferentes gêneros de literatura podem suscitar experiências muito diferentes ...”. [página 23]

Mais uma vez os autores discordam que esta seja a forma mais adequada de conceituar a literatura, e nos dizem o seguinte:

“Seja como for, ao tentarmos chegar a uma descrição válida da experiência do leitor ou do espectador, estamos trabalhando no difícil e ainda pouco explorado campo do psicólogo, que não é, realmente, o do crítico literário”. [página 23]

É importante notar que a obra estudada tem sua publicação em 1961 e a edição consultada traduzida para o português remonta a 1974. Pensando na data de publicação da obra original, as “Teorias da Recepção”, ou simplesmente “Estética da Recepção”, de Hans Robert Jauss e tantos outros, ainda estavam, talvez, apenas na cabeça de seus idealizadores. Jauss só irá ler pela primeira vez suas famosas sete teses em 13 de abril de 1967, em conferência na Universidade de Constança, Alemanha. E só a partir daí, é que podemos dizer que de fato passou a existir um instrumental teórico mais seguro que possibilitasse a análise da obra literária sob a perspectiva da recepção do leitor, sem ter de recorrer, como os autores comentam, a psicologismos.

3) A Teoria da Expressão

            “A terceira maneira tradicional de ver a literatura é relacioná-la com o seu criador. Neste caso, vemo-la como o produto do poeta, dramaturgo ou romancista. Duas importantes concepções do poeta e sua obra nos chegaram dos tempos clássicos”. [página 23]

             A primeira:

           “Uma que dia que o poeta é dotado de inspiração divina, um profeta (vates), “possuído” pela musa ou deidade que fala através dele”. [página 23-24]

            A segunda:

            “A outra concepção do poeta é a que o considera, fundamentalmente, um artífice (poeta, “construtor”), com plena consciência do que está fazendo no momento da composição e depois, quando se dispõe a polir e retocar sua obra”. [página 24]

            E ainda uma terceira versão:

“Historicamente, este segundo ponto de vista predominou nos séculos XVII e XVIII, no período neoclássico. Mas uma nova versão do primeiro ponto de vista tornou-se popular no final do século XVIII e grande parte do século XIX, com o advento do Romantismo. De acordo com esta versão, o poeta, embora não literalmente possuído de divina loucura, é capaz de uma extraordinária inspiração”. [página 24]

O problema desta concepção:

“Pois tal como as teorias pragmáticas e afetivas eram propensas a pôr em foco a psicologia do público, também aquelas teorias que focalizam a psicologia do poeta deveriam, para ser sustentáveis, submeter-se aos testes experimentais. Uma vez mais, devemos reconhecer que estamos abandonando o campo da crítica literária pelo da psicologia”. [página 24-25]

Crítica às visões tradicionais
            
            “As três maneiras tradicionais de considerar a literatura, portanto, se bem que chamem atenção para certas qualidades inegáveis de uma obra literária, são, em última análise, incompletas e insatisfatórias”. [página 25]

            A proposta é a de procura de meios que:

            “[...] descrevam a qualidade especial e característica que distingue uma obra literária per se”. [página 25]

A Ideia da Ficcionalidade

            Um desses meios foi sugerido pelos críticos que falam da ficcionalidade ou do universo virtual que se encontra na literatura, no intuito de sugerir o que acontece dentro de uma obra literária. Pois ainda que a obra seja, usualmente, de um modo ou de outro, um reflexo ou uma recriação do mundo e da vida – aquilo a que os antigos críticos chamavam de imitação – estamos certamente cônscios do fato de que não se trata, enfim, do mundo ou da vida real”. [página 25]

A Ideia da Estrutura

            “... um segundo conceito tem sido proposto: o de que uma obra literária deve ser considerada uma estrutura. Embora esta ideia tenha sido interpretada de várias maneiras algo particularistas, significa, em princípio que cada obra é uma organização extremamente complexa e que os seus numerosos componentes ou facetas estão correlacionados entre si de tal forma que o todo é maior que as partes. Empregado neste sentido, o termo não se refere apenas aos aspectos formais – aos paralelos ou contrastes entre cenas, à ordenação do enredo em fases de clímax e anticlímax – mas inclui também a obra literária como um todo. Por outras palavras, casa obra não só possui uma estrutura mas é uma estrutura”. [página 26]

            E pra não deixar de falar da dicotomia mais discutida nos estudos literários:

            “A ideia de estrutura também nos leva a duvidar da obsoleta divisão de forma e conteúdo, ou forma e temática. Uma tal divisão é não só desejável mas impossível, se aceitarmos a ideia de que o tema é modelado, reformulado e, por último, convertido numa obra de literatura. Pois como poderemos dizer onde termina o tema e começa a forma? Para citar a interrogação que atormentava W. B. Yeats: ‘Como poderemos distinguir o dançarino da dança?”. [página28]

            “Tampouco seremos tentados a equipar o significado total de um poema, peça teatral ou conto com o seu propósito aparente, ou ‘mensagem’, tal como não o faríamos em relação ao tema”. [página 29]

           Quanto à distinção da literatura com outras artes, os autores comentam: 

            “Decerto, pois, o significado total pode ser maior do que qualquer mensagem explicitamente enunciada. Da mesma forma que a ideia de ficcionalidade ou de um universo virtual é uma maneira útil de distinguirmos a literatura da experiência real, também a ideia de estrutura dos permite distinguir a literatura de outros usos da língua”. [página 30]

            “Em literatura, por outro lado, interessamo-nos não só pelo que está sendo dito mas também pelo modo como a língua está sendo usada. Em primeiro lugar, o enredo e as personagens devem a sua própria existência às palavras que os descrevem; não têm outra existência alem daquela que as palavras lhes conferem. Em segundo lugar, o estilo – como iremos ver – faz parte integrante do todo, tanto quanto os elementos maiores do enredo, personagem e ambiente”. [página 30]

            E finalmente:

            “Com efeito, um aspecto característico que a literatura compartilha com as outras artes mas que a distingue dos demais usos da língua é que, em vez de transportar a nossa observação do que está sendo expresso para o que está sendo referido, leva-nos a fitá-la frontalmente e às suas relações internas. Tal como as outras artes, a literatura pode ser estudada e apreciada per se, como um valor em si mesma”. [página 30]

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