31.8.11

Vem comigo, leitor [Fichamento]

Vem comigo, leitor: A pedagogia da leitura em Quincas Borba

 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

MAGALHÃES, Maria do Socorro Rios.
Vem comigo, leitor a pedagogia da leitura em Quincas Borba.
Teresina: EDUFPI, 1998.


Introdução:

           
"O romance machadiano, desde a sua fase romântica, se caracteriza pela presença de um narrador que dialoga constantemente com o leitor". [página 9]

           
"Machado abre espaço no seu texto para a presença ostensiva do leitor que, em suas obras, deixa as sombras do lugar de leitor implícito ou  leitor virtual, para vir à luz como leitor fictício  ou ficcionalizado ...". [página 9]

           
"Os personagens representam uma tipologia de leitores, através dos quais o narrador pretende mostrar o tipo ideal de leitor, ao tempo em que vai conduzindo o processo de narração com a participação do leitor ficcionalizado". [página 9]

           
"Ambos os procedimentos fazem parte de uma pedagogia de leitura utilizada pelo Autor para a formação de um público que garanta a recepção de sua obra". [página 9-10]

Capítulo I -  Machado de Assis e a crítica de seu tempo:


           
"Enylton de Sá Rego em seu estudo sobre a obra de Machado de Assis, apresenta o despreparo da crítica brasileira na recepção das obras da segunda fase do escritor ...". [página 11]

           
"A evolução da obra de Machado de Assis coincide com a evolução da crítica nacional, assim como o escritor vai, aos poucos, crescendo como romancista, da mesma forma vai-se formando a primeira geração brasileira de críticos literários especializados". [página 12]

           
"José Veríssimo, em 1890, ano seguinte à publicação de Dom Casmurro, escreveu o artigo, 'Um irmão gêmeo de Brás Cubas', em que chama atenção para a semelhança entre os dois romances no que tange àquilo que chama de 'filosofia amarga, céptica, pessimista, uma concepção desencantada da vida, uma desilusão completa dos móveis humanos' (1977, p. 27)". [página 13]

           
"José Veríssimo, não obstante os reparos ao pessimismo do Autor, considera Machado o mais autêntico e mais verdadeiro representante da literatura brasileira". [página 14]

           
"Sílvio Romero tornou célebre a sua crítica à obra de Machado pela virulência do ataque a um escritor que vinha suscitando muitos elogios entre seus contemporâneos". [página 15]

           
"Embora tenha sido muito severo com a obra machadiana, no seu trabalho de 1897, Sílvio Romero não pode deixar de lhe reconhecer certas qualidades, como a correção gramatical, a simplicidade e a propriedade das imagens e a adequação das comparações e dos qualificativos (1954, p. 1624) ...". [página 16]

           
"Como se vê, a obra machadiana, ainda que nem sempre acolhida pelos críticos, encontrou receptividade de público, talvez porque o próprio Autor tenha assumido uma tarefa que seria da crítica: a educação do leitor para encarar o texto de ficção literária". [página 18]

Capítulo II - Quincas Borba e seu retrospecto: Memórias Póstumas de Brás Cubas: 

            "O 'Prólogo' da 3ª edição de Quincas Borba, de 1899, deixa claro que este romance proveio de Memórias Póstumas de Brás Cubas". [página 19]

           
"A nível de representação, Quincas Borba constitui o complemento de Memórias Póstumas de Brás Cubas, pois é naquele que se pode observar, na prática, a aplicação do 'humanismo' já apresentado a Brás Cubas por seu amigo filósofo". [página 19-20]

           
"Ao contrário de Sofia que, segundo Machado de Assis, (1992, p. 17), está toda em Quincas Borba, o próprio Quincas não está inteiro neste romance. Para compor o todo deste personagem é necessário juntar os dois livros, utilizando Memórias Póstumas de Brás Cubas como um grande "flash back" de Quincas Borba". [página 20] 

            "Memórias Póstumas de Brás Cubas funciona como retrospecto da trajetória do filósofo humanista, que, em Quincas Borba, vive a sua etapa final". [página 21]

           
"As equivalências e semelhanças entre Quincas Borba e Memórias Póstumas de Brás Cubas podem parecer redundância. A retomada de temas de um livro pelo outro, porém, constitui na obra machadiana um recurso didático. Ele só avança no seu curso literário quando seus leitores/discípulos estão suficientemente preparados". [página 23]

Capítulo III - Os leitores representados: 

            "Na representação do leitor em Quincas Borba, Machado de Assis enfatiza a critica ao Romantismo, fazendo de Rubião uma vítima da leitura de obras românticas. Simples mestre-escola do interior, seus limitados conhecimentos não lhe permitiam ultrapassar o gosto literário popular, daí a sua preferência pelos românticos franceses mais divulgados na época". [página 25]

           
"A loucura de Rubião é sutilmente atribuída aos livros que lê; visto que são eles que oferecem  o material para seus delírios". [página 28]

           
Escapismo; Segundo Freud, há três tipos de pessoas que não escondem seus delírios: as crianças, os artistas e os loucos.

           
"Com o agravamento da doença, Rubião procura cada vez mais na leitura a compensação de seus problemas existenciais. Empobrecido, abandonado pelos amigos e desprezado por Sofia, ele passa a utilizar a leitura como forma de 'viajar', substituindo o real por fantasias mais compensatórias". [página 29]

           
"Rubião é a representação do leitor fracassado". [página 30]

           
"O que faz de Rubião um mau leitor é a sua incapacidade de interagir com o texto, não conseguindo um equilíbrio entre aquilo que é dado no texto e aquilo que ele próprio traz para a leitura". [página 31]
 
            Rubião confunde efeito com recepção.

           
"Os demais leitores masculinos representados neste romance são bem diferentes de Rubião. O que tem um comportamento mais próximo do seu é o Major Siqueira, também leitor de romances e que fazia da leitura uma experiência catártica". [página 31]

           
"Ao contrário de Rubião, Palha é leitor eficiente, pois seleciona seu material de leitura de acordo com os interesses práticos de sua vida profissional". [página 32]

           
"Carlos Maria é um leitor sofisticado e elegante. A permanente atitude de tédio e desinteresse pelo que está a sua volta, vai levá-lo à leitura de revistas inglesas que tratam de assuntos totalmente alheios à realidade local". [página 33]

           
"Camacho é um falso leitor. A falsidade de sua condição de leitor se revela no estilo de seus artigos jornalísticos: 'meio magro e meio inchado". [página 33-34] 

            "O leitor totalmente erudito é representado por Quincas Borba, o único capaz de cita de cor autores e obras". [página 34] 

            "Teófilo, apesar do nome, não se dedica a leitura teológicas. Ao contrário, trata-se de um leitor técnico, altamente especializado". [página 34] 

            "Dentre os personagens femininos, apenas Sofia pode ser apontada como leitora. Maria Benedita e D. Fernanda, por razões diferentes não cultivam a leitura. [...] As duas são mulheres do lar, sem pretensões de ascender socialmente como ocorria com Sofia que precisava da leitura enquanto sinal de distinção, como aparece no caso da assinatura da Revista dos Dois mundos, publicação francesa muito lida pelas damas da sociedade fluminense". [página 34-35] 

            "Sofia lia romances da mesma forma que dançava valsa ou tocava piano, era apenas mais uma prenda de senhora elegante". [página 36] 

            "Embora assídua leitora de romances, Sofia não confunde a realidade da vida com a fantasia dos livros, como acontece com Rubião". [página 36] 

            "A representação do leitor em Quincas Borba revela que a leitura corresponde a uma forma de relacionamento com o mundo, aqueles leitores que sabem lidar com o jogo do texto, são os bem sucedidos no jogo da vida". [página 37]

Capítulo IV - Leitor ficcionalizado X Leitor virtual: O modelo de leitura proposto pelo narrador

           
"A constante referência ao leitor nos romances machadianos há muito tem chamado a atenção dos críticos, mas, só recentemente, com o instrumental da estética da recepção se tornou possível abordar essa questão do ponto de vista de uma teoria literária específica". [página 39] 

            "O narrador machadiano se disfarça de contador de histórias exatamente para reproduzir a situação de confiança e intimidade que existe entre o contador e o ouvinte de histórias orais". [página 39]
 
            O narrador machadiano é distanciado. Ele não se envolve com os dramas das personagens.

           
"A preocupação de instrumentalizar o leitor para a narrativa literária se traduz na inserção deste no processo de narração, através da encenação do ato de leitura, que ficcionaliza o leitor no propósito de aproximar o leitor real do leitor ideal esboçado pelo texto. Wernneck explica, assim, esse procedimento: 
'A intenção de aproximar o ato de escrever do ato de ler define a presença, no texto machadiano, de um leitor ficcionalizado, inscrito no processo de narração como um interlocutor mais próximo do sujeito que narra.
'Na literatura de Machado, o leitor ficcionalizado não é mero receptor de um texto cuja função designativa aponta para um mundo na ficção representado. Fazendo do texto seu habitat, ao contrário, o leitor aí invocado adquire valor de sinal de ficção'. (1985, p. 85) [página 39-40]
            "A ficcionalização de leitor em Quincas Borba se dá de duas maneiras: pela auto-referência da narrativa e pela invocação do leitor por parte do narrador". [página 40-41] 

            "A auto-referência apresenta-se de dois modos: ou o narrador chama a atenção do leitor para a forma narrativa ou então recorda trechos passados que possam estar esquecidos". [página 41]

            "A invocação do leitor, outra forma usado por Machado para realizar sua ficcionalização, aparece em Quincas Borba de forma muito variada". [página 43]

           
"A leitura de Quincas Borba consiste, realmente, numa lição de literatura em que o mestre/narrador demonstra sobejamente a superioridade de seus conhecimentos sobre os do leitor. Aparecem no livro mais de trinta referências a obras e autores da literatura universal, feitas pelo narrador. Sua didática, no entanto, deixa que o aluno/leitor complemente as informações dadas com outras que ele próprio deve buscar. É assim que certas alusões a escritores ou a obras literárias lhe exigem que complete as lacunas deixadas pelo narrador". [página 48]

           
"Em outros trechos o narrador deforma a obra citada, dando novo sentido a frases desgastadas pelo abuso de citações". [página 48-49]

           
"Há várias passagens em que o narrador ilustra os fatos que apresenta comparando-os com os de outras obras literárias". (p. 49)
"As aludidas citações revelam a as preferências literárias do narrador, que privilegia a prosa em detrimento da poesia". (p. 49)

           
"A ficcionalização do leitor compreende, portanto, o narrador que representa o leitor ideal e o seu interlocutor, o leitor aprendiz. Quincas Borba dramatiza o ato de leitura como procedimento didático na educação do público leitor. Mas ao leitor virtual ou leitor implícito² de Quincas Borba são dadas duas possibilidades de leitura: confundir-se com o leitor ficcionalizado e se deixar guiar pelo narrador, ou então contrapor-se ao narrador, desmontando suas armadilhas. De um modo ou de outro, a obra continuará garantindo sempre o prazer da leitura. [²Trata-se, na concepção de W. Iser, de uma função prevista no texto, como explica o Autor em "El processo de lectura: una perspectiva fenomenológica". In: Warning, Rainer (org) Estética de la receptión. Madrid: Vison, 1989] [página 50]

Conclusão
 
            "Para o leitor de hoje, que não está interessado na análise literária da obra ou na análise da situação sócio-política representada, um livro como Quincas Borba não consegue cativar a atenção. Os procedimentos narrativos que cumpriram uma missão pedagógica em relação ao público do século XIX perdem sua eficácia em relação a um público habituado a conviver com a ficção através de outros meios, como o cinema e a televisão, o que obrigou a ficção literária contemporânea a adotar recursos semelhantes aos utilizados por aqueles veículos". [página 51]

           
"Da mesma forma, a trama amorosa de Quincas Borba, apesar de seu desenlace amargo e realista, pode parecer anacrônica para o leitor atual, pois, para ele, é muito pouco verossímil a sustentação do triângulo Rubião-Sofia-Palha por uma centena de capítulos, sem que as intenções de cada um e materializem na "proposta indecente", que, uma vez acordada, traria vantagens para todos. A ambiguidade do comportamento, a sutileza dos olhares e da conversação, armas utilizadas por Sofia para vencer Rubião fazem parte de um código de normas que não mais tem lugar na sociedade atual e por isso não é mais reconhecível para o leitor de hoje". [página 52]

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Referências utilizadas pelo autor(a):

CÂMARA Júnior, J. Mattoso. Ensaios machadianos: língua e estilo. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979;

HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: EdUSP, 2005;

MURICY, Kátia. A razão cética: Machado de Assis e questões de seu tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 1988;

REGO, Enylton de Sá. O calundu e a panacéia: Machado de Assis, a sátira menipéia e a tradição luciânica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989;

ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. Tomo Quinto. Rio de Janeiro: José Olympio, 1954; 

VENTURA, Roberto. Estilo Tropical: história cultural e polêmica literárias no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1991;

VERÍSSIMO, José. Estudos da literatura brasileira. 3ª edição. Belo Horizonte/Itatiaia, São Paulo/EDUSP, 1977;

WARNING, Ranier (org).
Estética de la reception. Madrid Visor, 1989; WERNECK, Maria Helena Vicente. Mestre entre agulhas e amores: A leitura do século XIX na literatura de Machado e Alencar. Rio de Janeiro / 2ª edição / 1985. Dissertação de mestrado apresentada à PUC-RJ;

ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática, 1989.

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